Magnífico
inferno é como pode ser definida esta região de inclementes
desertos e lugares extraordinários no oeste da Bolivia. As
estradas, ou melhor, caminhos, são de areia fofa, pedras e
"costelas de vaca", sendo impossível pedalar quase
toda a região, o jeito é empurrar arduamente a bicicleta
pesada na areia fofa e quase sempre montanha acima. Durante o dia
no verão, a temperatura é amena apesar do sol forte,
porém à noite ela sempre cai para o negativo tornando
as madrugadas um inferno gelado. Lá pelas 15h o vento que já
era forte se transforma em vendaval frio e não faltam os "mini
tornados" que lhe atropelam a todo momento. As altitudes beiram
os 5000 metros tornando tudo ainda mais cansativo. Foram 1049 km percorridos
em território boliviano sendo que destes, 419 km em asfalto
desde Copacabana na fronteira com o Peru até o P.N.Sajama,
depois na infernal terra por mais 630 km até a fronteira com
o Chile. Se decidir pedalar nesta região prepare-se para ultrapassar
todos os seus limites físicos. Paciência, força
e perseverança é a única coisa que vai tirá-lo
de lá ou com sorte uma carona numa 4X4 de turismo.
Pueblos
fantasmas, rios congelados, geisers, vulcões, lhamas e as combinações
mais incríveis de cores da natureza estão lá,
um cenário surrealista que te faz pensar não estar mais
no planeta terra.
Prepare-se para subir intermináveis serras empurrando a bike
em meio a poeira e o vento seco. Os lugares de interesse são
Uyuni, o grande deserto de sal, e os desertos que passam pelas Lagunas
Colorada e Laguna Verde.
Conselho: Se decidir cruzar de bike, não o faça, pegue
um tur em Uyuni com camionetes 4X4 caso contrário prepare-se
para por em risco sua vida. Sério.

O
causo das bolachas de limão.
Mais um dia empurrando a bike mais do que pedalando pela pesada terra
e quase sem forças tendo tomado apenas um chá de coca
pela manhã com uma água muito suspeita que havia pego
no dia anterior que tinha até uma que outra larvinha, sendo
eu obrigado a tomar apenas chá fervido além de já
ter colocado minhas gotas de clorofina para matar qualquer verme.
Já não havia mais comida na bike e precisava encontrar
o povoado de Sabaya naquele dia para as coisas não complicarem
ainda mais. Não sei porque pensava em bolachas. Acho que por
ser o troço mais fácil de conseguir em lugares tão
isolados da civilização e por ser um alimento prático
que enche a barriga e ainda da uma boa energia, perfeito para ir comendo
em pequenas paradas de descanso ao longo do caminho. Uma hora, coisa
que acontecia uma ou duas vezes ao dia, era que algum carro de turistas
passava pelo caminho e um deles parou ao meu lado para saber se estava
tudo bem afinal ali era um lugar no meio do nada onde pessoas não
costumam vagar sem um veículo motorizado. Os turistas, uns
5, eram uma mistura de japoneses, ingleses e americanos e uma garota
puxou um pacote de bolachas recheadas de limão (a minha predileta)
e me deu de presente assim como um litro de água mineral. Fiquei
muito agradecido e deixei eles tirarem fotos ali naquela cena como
se estivessem alimentando um animal selvagem do deserto. Com o carbohidrato
das bolachas consegui alcançar meu objetivo do dia chegando
em Sabaya depois de uma longa caminhada.

Causo
do abacaxi.
Comprei
um abacaxi num desolado pueblo antes de pegar uma nova e longa extensão
de deserto e segui adiante observando os pequenos tornados que se
formavam pelos arredores. Lá pelas tantas empurrando a bike
pela terra numa outra subida de serra parei cansado para descascar
meu tão precioso abacaxi. Quando acabei de descascá-lo
tomando muito cuidado para não fazer lambança em cima
das minhas coisas e para não sujá-lo com terra seca
do chão, eis que vem se aproximando um "mini tornado"
nome que eu dei para pequenos tornados que se formam nos desertos.
Eles são aloprados e mudam de direção a todo
instante. Fiquei ali parado pois ele estava perto mas podia simplesmente
sair em outra direção ou perder a força. Que
nada! Ele veio justamente pra cima de mim e do meu abacaxi que ficou
cheio de terra! Essa foi a única vez que um mini tornado me
atropelou. No final obviamente acabei comendo o abacaxi empoeirado.
2000
- 2012 - Andes no Pedal - andesnopedal@hotmail.com
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